José Américo Azevedo*
Ana Lúcia Pascon Araújo**
Bem amigos, estamos em ano de eleição para presidente, governadores, senadores e deputados. Da mesma forma que sabemos que de quatro em quatro anos temos a Copa do Mundo, pelo menos desde o período pós-redemocratização temos a certeza (?) de que teremos eleições estaduais e federal.
No entanto, embora o país fique – de certa forma – paralisado nesses anos, os problemas infelizmente não sabem que existem eleições, e continuam aparecendo e assombrando a vida de todos. São necessárias, e vamos para a frequente ladainha, reformas estruturais para reorientar o país e colocá-lo, minimamente, no rastro do século XXI.
O que se observa é que as reformas tributária, administrativa e política (verdadeira, não casuística), para ficarmos nas mais discutidas, além da necessária criação de regulamentação nos mais diversos setores para fazer frente às demandas contemporâneas, ficam tramitando morosamente na burocracia, quando não estão acumulando poeira nos escaninhos legislativos. Importante destacar que essas iniciativas são imprescindíveis para destravar não somente a economia, mas todo o funcionamento da máquina estatal e possibilitar um reencontro com o caminho do desenvolvimento.
Está a se falar, sabemos, de processos complexos, nos quais haverá a necessidade de robusta alteração no texto constitucional e na legislação complementar e ordinária. Além disso, o espectro ideológico que encontramos no Congresso Nacional é amplo – benéfico reflexo da democracia –, o que dificulta o consenso e prejudica a celeridade do processo decisório.
Mas essa é a regra do jogo e não uma novidade. O que queremos trazer à reflexão é o empenho e o comprometimento dos parlamentares com as mudanças em ano eleitoral e buscar a verdadeira razão desse comportamento lançando uma provocação: o problema não é o calendário eleitoral e sim a falta de comprometimento parlamentar com mudanças em ano de eleições.
A página eletrônica da Câmara dos Deputados nos brinda com interessantes informações referentes ao processo legislativo e à atuação parlamentar, não personificada, evidentemente, mas através de dados que permitem elaborar singelas análises estatísticas.
A escolha da Câmara do Deputados se deveu à necessária delimitação de espaço para efeitos do artigo, além de ser considerada a Casa representativa do povo brasileiro, ao passo que o Senado Federal, em nosso sistema bicameral, abriga os representantes dos interesses de cada Unidade da Federação. Ademais o universo de 513 parlamentares, muitos em uma primeira experiência eletiva, e representativo do mais amplo espectro da sociedade, nos parece mais compatível com o espírito do texto.
Além disso, quando se fez a análise das proposições que tramitam na Casa, os tipos foram limitados a projetos de lei, projetos de lei complementar e propostas de emendas constitucionais, por se tratar da essência da atividade legislativa, havendo, no entanto, outras modalidades de proposições – administrativas de maneira geral –, não consideradas nos números apresentados.
De partida, há uma percepção de que, em ano eleitoral, a atividade legislativa fica comprometida, devido ao rearranjo político necessário para o enfrentamento das eleições que se avizinham, especialmente se se considerar que cada eleição é regida por uma legislação substancialmente diversa da anterior. Por esta trilha, tem-se a necessidade de definições como partidos, federações, coligações, alianças políticas, nominatas, recursos financeiros para as campanhas, reaproximação com as bases eleitorais nos rincões interioranos, e mais uma gama de temas que preencheriam algumas laudas.
Ocorre que para comprovação de uma hipótese – o que a academia nos ensina com propriedade, embora não se tenha qualquer pretensão acadêmica com este artigo –, é necessária a verificação, através de pesquisas e coleta de informações que trarão consistentes subsídios. Assim, como já dito, a sítio eletrônico da Câmara dos Deputados reúne valiosos elementos de investigação que permite alcançar interessantes conclusões.
Para a análise pretendida, foi determinada a amplitude temporal de 1990 a 2021, pelo fato de ter sido, em 90, a primeira eleição legislativa após a escolha direta do presidente da República após quase três décadas. Dessa forma, imagina-se estar abarcando o período pós redemocratização quando se faz possível extrair comparações verossímeis.
Além disso, imperioso destacar que a atividade parlamentar não se esgota quando da apresentação de um projeto de lei, mas, essencialmente, quando há uma produção legislativa, ou seja, transforma-se em regramento legal ou constitucional uma ideia ou uma intenção tramitada pelas Casas.
Neste aspecto, podemos observar que a parte propositiva da ação parlamentar teve um aumento exponencial, como se verifica no gráfico a seguir:
Fonte: Portal da Câmara dos Deputados
O que está representado são os projetos em tramitação a cada ano na Câmara dos Deputados. Assim, se em 1990 tramitaram 45 (entre PL, PLC e PEC), em 2019 este número chegou ao inacreditável patamar de 5.156 projetos, demonstrando um afã propositivo que, pela própria quantidade de processos, põe em xeque sua qualidade, o que deve ser ponderado pelo leitor, mas, antes e, principalmente, pelo eleitor.
A curva desenhada pela estatística traz alguns indicativos de extrema importância para o tema abordado. Embora haja uma tendência indiscutível de crescimento do número de propostas em tramitação na Câmara ao longo do tempo, pode-se segmentar o gráfico por legislaturas.
Os desenhos apresentados pelos gráficos são sintomáticos em relação à atuação parlamentar ao longo da legislatura. Pode-se observar que no primeiro ano o número de propostas tramitando é o mais significativo do período, demonstrando que os parlamentares, especialmente os eleitos pela primeira vez, demonstram uma produção dinâmica, apresentando projetos de lei e de emendas à Constituição de maneira profusa. No terceiro ano, pode-se observar que há uma espécie de “veranico”, ou seja, um pequeno aumento na tramitação legislativa. Isso se deve ao fato de que vários deputados são eleitos para as prefeituras de suas cidades e uma pequena renovação ocorre no Congresso. Assim, repete-se o fenômeno do primeiro ano da legislatura de forma abrandada.
Porém, e é o tema central do artigo, o último ano do mandato é marcado pelo descompromisso do parlamentar com a tramitação dos projetos, ficando a pauta política dominada pelas eleições, sem que uma atividade legislativa robusta seja levada a cabo.
O que se infere das informações trazidas é que, em geral, o parlamentar considera cumprido seu papel após a apresentação do projeto de lei, fazendo uma devolutiva ao eleitorado acerca de sua atuação, porém responsabilizando o burocrático trâmite processual pelo insucesso na aprovação da proposta apresentada.
Mirando essa argumentação, é possível desconstruí-la ao se verificar o percentual de aprovação dos projetos. Essa proporção é inversamente proporcional ao aumento das propostas colocadas em tramitação, como pode ser observado a seguir:
Fonte: Portal da Câmara dos Deputados
Fica evidente que a concreta produção legislativa, é dizer, a lei ou emenda efetivamente aprovada, não depende do número de propostas apresentadas. Pelo contrário! Percebe-se que o parlamento é obrigado a se debruçar cada vez mais sobre temas desimportantes, devido à necessidade de cumprimento dos trâmites processuais, perdendo, de maneira transluzente, qualidade no atendimento à sociedade e atraindo a pecha da ineficiência a tão importante Poder.
Buscando efetivar uma análise onde não se incorra em sofismas estatísticos que obscureçam uma realidade, pode se argumentar que o aumento significativo do número de propostas no primeiro ano ao longo das diversas legislaturas se deve, essencialmente, ao índice de renovação na analisada Câmara dos Deputados.
Verificando essa possibilidade, observa-se que a assertiva não reflete a realidade. Como pode ser verificado, esse índice, ao longo das eleições não se apresentou significativamente variável.
É o que aponta o gráfico seguinte:
Fonte: Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)
A eleição de 1990, por motivos óbvios, já aventados no texto, trouxe uma significativa mudança na composição da Câmara dos Deputados. A partir daí, a despeito de que em 1994 o índice tenha sido pouco maior, tem-se que a variação no percentual de renovação acompanha um patamar praticamente uniforme, não havendo falar, portanto, que o aumento do número de propostas e a diminuição do percentual de aprovação sejam frutos da renovação da composição legislativa.
Com essa reflexão, o que se objetiva é ponderar a respeito do comportamento que a sociedade espera em relação aos parlamentares. É certo, e se enquadra dentro de um ambiente político-democrático, que as atribuições de um parlamentar não se resumem ao cumprimento de horário de trabalho na Câmara dos Deputados, em horário denominado como comercial.
É necessária a visita às bases, o acompanhamento, em seus Estados, das necessidades da população e da interação, corpo a corpo com a sociedade. E isso não se faz somente aos sábados e domingos. O deputado, parlamentar foco do artigo, tem que dividir seu tempo, muitas vezes em jornadas extenuantes entre Brasília e sua região eleitoral.
O que se busca trazer à lume é se há a necessidade da sanha propositiva, como que para somente dar uma satisfação aos eleitores, sem que o necessário acompanhamento e movimentação sejam realizados, especialmente em ano eleitoral, quando os problemas não deixam de existir aguardando os próximos representantes.
Há que, por fim, deixar claro que esta é uma análise baseada em dados fornecidos pela própria Câmara dos Deputados, sem qualquer intuito de personificar – ou fulanizar, para usar expressão da moda – comportamentos de parlamentares.
Sabemos, todos, que numa Casa cuja principal missão é representar o povo, o povo estará representado em sua proporção com os variados matizes ideológicos e comportamentais que refletem a sociedade. Embora haja aqueles que não valorizam o mandato concedido pelo cidadão, agindo como avestruzes que enfiam a cabeça na areia deixando o resto do corpo de fora, existem inúmeros parlamentares que honram a distinção conferida, atuando de maneira sóbria e cidadã, participando efetivamente de atividades construtivas como frentes parlamentares, grupos de trabalho, comissões interdisciplinares e outras diversas formas.
No entanto, como última reflexão, é preciso lembrar que cada deputado ou cada senador só está ocupando essa posição a partir de uma procuração que lhe foi outorgada através da mais legítima ferramenta da democracia, perseguida por todos, o voto popular.
* JOSÉ AMÉRICO CAJADO DE AZEVEDO. É graduado em Engenharia Civil pela Universidade de Uberaba e em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP. Atualmente é consultor na empresa Dynatest Engenharia Ltda. e voluntário na Defensoria Pública do Distrito Federal. Possui experiência em gerenciamento e coordenação de contratos, tendo atuado na área de licitações, contratos e concessões públicas por empresas privadas e pelo Governo, fazendo parte, inclusive, de Comissões de Licitações. Atua prestando consultoria na área jurídica. Tem como objetivo conciliar o exercício do Direito com a experiência adquirida com a Engenharia e com as relações institucionais e governamentais.
** ANA LÚCIA PASCON ARAÚJO. Possui graduação em Administração pelo Centro Universitário de Brasília, graduação em Direito pela UDF Centro Universitário e mestrado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Possui experiência em direito material e processual do trabalho, tendo atuado como assessora jurídica em gabinete de ministro do TST.