Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

Elvino de Carvalho Mendonça

As sociedades estão em constante transformação. As rupturas paradigmáticas decorrem da evolução das descobertas científicas pelos seres humanos e é inegável que a sociedade em rede traz incontáveis benefícios para a humanidade, tendo grande destaque a fluidez, a rapidez e a facilitação da troca de conhecimentos e experiências em tempo real. Dentre inúmeras modificações produzidas com o novo paradigma tecnológico, o modo de comunicação entre os seres humanos, considerados globalmente, teve especial impacto.

Até o advento da sociedade das plataformas e sua efetiva implementação por meio da utilização massiva dos aparelhos digitais e, notadamente, smartphones aliada à implantação de aplicativos de redes sociais, a produção do conteúdo da mídia era restrito aos meios tradicionais de comunicação, como emissoras de televisão, de rádio ou de jornal/revistas escritas, cujos parâmetros de atuação eram regulados pela Lei de Imprensa nº 5.250/1967.

Com a criação da internet e a possiblidade de comunicação instantânea via transmissão de dados, o modo de se comunicar mudou radicalmente, acelerando a transmissão do conhecimento e, por consequência, o poder de manipulação da informação que, diga-se de passagem, não é um fato novo. As notícias do outro lado do mundo chegam em tempo real em qualquer recanto do planeta e toda a humanidade passou a ter conhecimento e ser diretamente influenciado e/ou ter seus comportamentos induzidos sobre tudo o que acontece ao redor desse mesmo mundo instantaneamente.

Primeiro, foi a vez da criação da World Wide Web (www) e de duas ferramentas fundamentais para a sua plena utilização que foi o código HTML e o protocolo HTTP por Berners-Lee. Em seguida, vieram os aparelhos eletrônicos que permitiram a conexão em teia, como os computadores, celulares, tablets etc. Após essa inovação, foi a vez da criação das redes sociais e, essas sim, acabaram por implementar a comunicação instantânea e em rede, de notícias verdadeiras e falsas, propagadas pelos bem-intencionados no exercício do direito constitucional à liberdade de expressão e pelos mal-intencionados que utilizam dos mecanismos tecnológicos existentes, muitas vezes potencializados por robôs, para distorcer a realidade dos fatos e o real sentido do que seja liberdade de expressão.

Nesse contexto, é inegável que as Fake News já têm produzido impactos estarrecedores na jovem redemocratização brasileira. Os propaladores de Fake News utilizam os mecanismos tecnológicos em benefício próprio e, na grande parte das vezes, justificam as suas ações sob o manto do direito constitucional à informação e da garantia constitucional à liberdade de expressão.

O grande desafio do Estado é o de separar o joio do trigo. Liberdade de expressão não garante direitos à propagação em massa de notícias falsas e, também não se configura como um direito absoluto que permita divulgar qualquer notícia, de qualquer modo.

No entanto, dada a velocidade e a difusão da criação de conteúdos e a velocidade e o alcance da transmissão dessas informações, muitas vezes “viralizadas”, como separar o que é verdade e o que é mentira? Como criminalizar opiniões antidemocráticas?  Qual a diferença entre uma opinião, onde o certo e o errado cada ser humano tem o seu, de uma Fake News?

Segundo Robert Musil “sobre a estupidez”, “[n]ão há nenhum pensamento importante que a estupidez não saiba aplicar, ela se move em todas as direções e pode vestir todas as roupas da verdade. A verdade, ao contrário, tem apenas uma roupa em qualquer ocasião, um só caminho, e sempre está em desvantagem. A estupidez a que nos referimos aqui não é uma doença mental, porém a doença mais perigosa da mente, perigosa para a própria vida.[1]

É preciso, pois, abordar os impactos da desinformação sobre a higidez da democracia, notadamente, produzida e alardeada em grande escala por meio da divulgação massiva de notícias fraudulentas (Fake News) via whatsapp. É preciso analisar quais seriam os melhores caminhos a serem perseguidos pelo próprio Estado com o objetivo de refrear a avalanche de informações falsas que distorcem a realidade dos fatos e acabam induzindo a população a comportamentos antidemocráticos e, ao fim e ao cabo, produzem um impacto negativo ainda maior que é o de embaralhar os reais significados do direito constitucional à informação e da garantia fundamental da liberdade de expressão.

A democracia está em erosão e não está à venda. O Estado precisa agir para conter os abusos de poder econômico (não só das big techs, mas também daqueles que propagam Fake News), sob pena de se perder a noção do certo e do errado e acabar por esfacelar o bem mais precioso da humanidade que é a liberdade de agir, pensar e de comunidade, isenta de qualquer indução de comportamentos, como uma conquista democrática das nações. 


[1] MUSIL, Robert. Sobre a estupidez. 3.ed. Âyiné: Belo Horizonte, 2020, p. 44.

Autores:

RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA. Doutoranda em direito pelo IDP, mestre em direito público pela UNB, pós-graduada em direito econômico e regulatório pela  PUC-RIO, pós-graduada pela EMERJ, advogada, sócia fundadora do Mendonça Advocacia e sócia fundadora da WebAdvocacy.

ELVINO DE CARVALHO MENDONÇA. Ex-conselheiro do CADE e doutor em economia.

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