Gênero

Lei que Institui o Programa Emprega + Mulheres

Vanessa Vilela Berbel

A parentalidade positiva está associada ao adequado desenvolvimento da saúde mental e física de crianças e adolescentes. Muitos aspectos estão envolvidos nesta relação entre pais, mães e prole. Chen, Y., Haines, J., Charlton, B.M. et al.(2019), em artigo publicado na Nature Human Behavior, identificaram que aspectos como maior autoridade dos responsáveis e jantares familiares regulares também associam-se a maior bem-estar emocional dos infantes, menos sintomas depressivos, menor risco de comer demais e equilíbrio do comportamento sexual.

            A Recomendação Rec(2006)19, editada pelo Comitê Ministerial do Conselho Europeu  em de 13 de dezembro de 2019, traça diretrizes para apoio à parentalidade positiva e toma como premissa o papel vital do Poder Público no apoio a famílias em geral e, particularmente, aos que realizam a parentalidade, por meio de ações como transferências  de renda e tributação, medidas para o equilíbrio entre trabalho e família, cuidados na infância, dentre outras.

            Os Estados não estão sozinhos nesta missão. Em 2011, a ONU lançou o guia Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations Protect, Respect and RemedyFramework,  aprovado pela Resolução 17/4, de 16 de Junho de 2011 do Conselho de Direitos Humanos.Nele há, claramente, a perspectiva de que Estados e empresas devem conjugar esforços para a garantia da efetividade dos direitos humanos. Ponto importante, os Estados não são responsáveis per se pelas violações aos direitos humanos praticadas por atores privados, mas desrespeitam suas obrigações de direito internacional quando não tomam as medidas apropriadas para prevenir, investigar, punir e reparar a violação por aqueles praticada.

            Mas, como se sabe, as sanções não são as principais garantias de efetividade do direito internacional, cuja regência também se opera por métodos de cooperação, reciprocidade e incentivos pecuniários e não pecuniários. Também assim se dá com  a implementação de políticas públicas de direitos humanos no âmbito interno, cuja efetividade depende de muitas outras condições além da punição a violadores.

            Seguindo a lição de John Brigham e Don Brown (1980), políticas públicas podem ter por base medidas de incentivos e punições. Punições são sanções que resultam em consequências negativas, impostas por uma autoridade legalmente instituída, ante o descumprimento da lei; por sua vez, incentivos incluem subsídios, isenções e medidas facilitadoras que procuram induzir uma mudança “voluntária” nos comportamentos.

            Pois bem, estando a parentalidade positiva no rol dos direitos humanos, cabe também ao Poder Público incentivá-la e, no que couber, coibir práticas dos atores privados que a violem. Mas, mais do que punições, cabe ao Estado implementar políticas de incentivo ao estabelecimento das condições mínimas ao exercício do comportamento parental baseado no melhor interesse da criança. Como fazer? A opção recentemente adotada pelo Estado brasileiro parece passar por medidas de incentivo não financeiro e de caráter reputacional.

            Caminhando neste sentido, a Secretaria Nacional da Família, por meio da Portaria nº 2.904, de 13 de novembro de 2020, lançou o programa Equilíbrio Trabalho-Família, com disposições que visam a promover informação, sensibilização e formação em temáticas relacionadas ao tema. Apesar das boas intenções, a normativa se apoiava em ações de fomento não financeiro, como a publicação da lista de melhores práticas em Portaria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a concessão de Selo Empresa Amiga da Família (SEAF), de pouca eficácia.

            Mais recentemente houve também o advento da Lei 14.457/2022, Instituidora do Programa Emprega + Mulheres, resultante da conversão o da Medida Provisória 1.116 de 2022, com algumas modificações pontuais. A Lei diz criar programas de apoio à parentalidade na primeira infância, por meio da flexibilização do regime de trabalho, incentivo à qualificação de mulheres em áreas estratégicas para a ascensão profissional e suposto apoio ao retorno ao trabalho das mulheres após o término da licença-maternidade; neste último caso, creio que ao invés de incentivo ao retorno ao trabalho seria, o certo, dizer desestimulo ao desligamento de mulheres após o término do afastamento legal. Vejamos:

            A Lei 14.457/2022 viabiliza a implantação do reembolso-creche, de que trata a alínea s” do § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, destinado (i) ao pagamento de creche ou de pré-escola de livre escolha da empregada ou do empregado ou (ii) ao ressarcimento de gastos com outra modalidade de prestação de serviços de mesma natureza, comprovadas as despesas realizadas. Neste caso, a adesão à medida promove a dispensa dos empregadores da instalação de local apropriado para a guarda e a assistência de filhos de empregadas no período da amamentação e o benefício concedido não será considerado de natureza salarial, não se incorporando à remuneração para todos os efeitos e não sendo incluído na base de cálculo do FGTS. 

            A lei também prevê medidas de flexibilização da jornada de trabalho e prioridade na alocação de vagas para o teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância, quando a atividade comportar, aos empregados e empregadas que possuam filho, enteado ou criança sob guarda judicial com até 6 (seis) anos de idade ou com deficiência, sem limite de idade.

            Dentre as medidas adotadas pela lei, está também a polêmica possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, prevista nos artigos 15 e 17, as quais consistem, respectivamente, (i) na suspensão de contrato trabalho da empregada para qualificação profissional e (ii) do empregado com filho, cuja mãe tenha encerrado o período da licença-maternidade, para apoiar o retorno ao trabalho de sua esposa ou companheira. Nestas hipóteses, a suspensão poderá ser formalizada por meio de simples acordo individual e, durante o período da suspensão, faculta-se ao empregador pagar ao empregado e à empregada uma ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, como incremento à bolsa de qualificação profissional de que trata o art. 2º-A da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990.

            Algumas impropriedades das disposições da Medida Provisória 1.116 de 2022 foram corrigidas. Agora, não mais se faculta ao empregador decidir sobre a suspensão ou não do contrato de trabalho da empregada para alocação em programa de qualificação, pois o ato depende de requisição formal da interessada. Outrossim, fato antes não previsto na MP, a Lei estipulou penalidade ao empregador se ocorrer a dispensa do empregado ou empregada no transcurso do período de suspensão ou nos 6 (seis) meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, impondo o direito, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação, à percepção de multa a ser estabelecida em convenção ou em acordo coletivo, que será de, no mínimo, 100% (cem por cento) sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato de trabalho.

            A recentíssima lei demandará tempo para que possamos apurar se, de fato, estabeleceu efeitos positivos à empregabilidade feminina e à realização da parentalidade positiva por ambos os genitores ou outros socialmente imbuídos deste importante dever de cuidado e afetividade.

            Contudo, devemos lembrar que, para que os atores privados sejam de fato guiados pelas disposições da Lei 14.457/2022, várias condições são necessárias e baseiam-se nos quatro passos já traçados pelo guia da OCDE denominado Reducing the risk of policy failure: challenges for regulador compliance.

            A primeira condição para a conformidade legislativa é que o grupo-alvo deve estar ciente da regra e compreendê-la. Em segundo lugar, o grupo-alvo deve estar disposto a cumprir e, nisso, incentivos econômicos podem ser essenciais, os quais não vislumbramos que tenham sido satisfatoriamente previstos na lei. A terceira condição é que o grupo-alvo deve ser efetivamente capaz de cumpri-las, sendo indispensável a ciência de seus termos e o suporte técnico para sua implantação, fato ainda muito incipiente ante a pouca divulgação das disposições legais.

            Esperamos que, em colunas vindouras, os dados possam nos apontar a efetividade da lei. Por ora, nos cabe  divulgar sua existência e estimular o engajamento dos atores.

Referências

BRASIL. LEI Nº 14.457, DE 21 DE SETEMBRO DE 2022. Institui o Programa Emprega + Mulheres; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 11.770, de 9 de setembro de 2008, 13.999, de 18 de maio de 2020, e 12.513, de 26 de outubro de 2011.

BRASIL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.116, DE 4 DE MAIO DE 2022. Institui o Programa Emprega + Mulheres e Jovens e altera a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

BRIGHAM, John e BROWN, Don W. Policy implementation: penalties or incentives? Beverly Hills, Calif. : Sage Publications, 1980.

Chen, Y., Haines, J., Charlton, B.M. et al. Positive parenting improves multiple aspects of health and well-being in young adulthood. Nat Hum Behav 3, 684–691 (2019). https://doi.org/10.1038/s41562-019-0602-x

OCDE – Organisation for Economic Co-operation and Development. REDUCING THE RISK OF POLICY FAILURE: CHALLENGES FOR REGULATORY COMPLIANCE. 2000. Disponível em: https://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/1910833.pdf