Andrey Vilas Boas de Freitas
O avanço das tecnologias de saúde tem proporcionado benefícios inquestionáveis, mas também traz à tona desafios na forma como mensuramos seu valor. O Generalized Cost-Effectiveness Analysis (GCEA) surge como uma resposta a essas limitações, oferecendo uma estrutura mais abrangente e alinhada às complexidades do impacto social e econômico dos medicamentos.
Uma das contribuições centrais do GCEA é reconhecer o papel da redução de riscos nos tratamentos. Essa abordagem considera não apenas os resultados médios previstos, mas também como a incerteza e a possibilidade de resultados excepcionais influenciam as decisões dos pacientes. O GCEA reconhece que as decisões dos pacientes não se baseiam apenas nos benefícios médios de um tratamento, mas também na incerteza e na possibilidade de resultados excepcionais. Em cenários de doenças graves ou terminais, como cânceres avançados ou condições raras sem cura conhecida, muitos pacientes atribuem um valor único à esperança de resultados significativamente positivos, mesmo quando as estatísticas gerais não diferem de outras opções terapêuticas.
Por exemplo, considere dois tratamentos para uma condição crítica. O primeiro oferece um benefício moderado garantido para todos os pacientes, enquanto o segundo apresenta uma chance pequena, mas concreta, de proporcionar uma recuperação quase completa ou um ganho significativo na qualidade de vida. Embora o benefício médio entre os dois tratamentos seja equivalente, muitos pacientes preferem a segunda opção devido à possibilidade de atingir um “resultado de ponta”, o que reforça a importância da esperança e do impacto emocional nas decisões de saúde.
Essa perspectiva é particularmente relevante para doenças em que o prognóstico inicial é severo. Pacientes enfrentando essas condições frequentemente estão dispostos a assumir riscos maiores ou buscar tratamentos que ofereçam mesmo uma pequena chance de uma melhoria substancial. O GCEA formaliza essa preferência, incorporando na análise o valor que os pacientes atribuem a essas possibilidades, muitas vezes ignoradas por abordagens mais tradicionais de custo-efetividade.
Ao capturar essas nuances, o GCEA não apenas reconhece a complexidade das decisões individuais, mas também oferece uma ferramenta mais sensível e humanizada para avaliar o impacto real de terapias inovadoras.
Outro aspecto fundamental do GCEA é incorporar as dinâmicas de preços ao longo do tempo, ou seja, sua capacidade de incorporar as dinâmicas de preços ao longo do tempo, especialmente no que diz respeito à redução de custos que ocorre com a entrada de genéricos ou biossimilares no mercado. Essas mudanças, que frequentemente são negligenciadas em análises tradicionais, têm um impacto significativo tanto para os sistemas de saúde quanto para os pacientes.
Quando um medicamento perde sua exclusividade, a competição no mercado tende a levar a uma queda acentuada nos preços. Genéricos, por exemplo, costumam oferecer reduções de custo de até 90% em relação ao produto original, tornando tratamentos anteriormente inacessíveis economicamente mais viáveis para uma parcela maior da população. Em mercados específicos, como o de terapias oncológicas orais, essas quedas podem ocorrer dentro de poucos meses após o vencimento da patente, transformando completamente o cenário financeiro para governos, seguradoras e consumidores.
No caso dos biossimilares, embora as reduções sejam geralmente mais moderadas do que as observadas com genéricos de moléculas pequenas, elas ainda representam uma economia importante. Além disso, o impacto da introdução de biossimilares varia dependendo de fatores como a adoção do mercado e a regulamentação local, destacando a necessidade de uma análise que considere as particularidades de cada contexto.
O GCEA oferece uma visão de longo prazo que permite prever e modelar essas dinâmicas, integrando não apenas os custos iniciais dos tratamentos, mas também os benefícios econômicos cumulativos que emergem com o tempo. Essa abordagem é particularmente relevante para sistemas de saúde que enfrentam o desafio de equilibrar a necessidade de incentivar a inovação com a garantia de sustentabilidade financeira.
Ao incorporar essas variáveis, o GCEA apresenta uma análise mais justa e realista, refletindo não apenas o impacto imediato dos tratamentos, mas também os benefícios econômicos futuros que eles podem proporcionar. Essa visão integrada é essencial para guiar decisões de alocação de recursos e garantir que terapias inovadoras sejam avaliadas em todo o seu potencial.
O modelo também se destaca ao incluir os benefícios para terceiros, como cuidadores e familiares, um aspecto frequentemente subestimado em análises tradicionais de custo-efetividade. Medicamentos que melhoram a qualidade de vida dos pacientes frequentemente reduzem o estresse físico e emocional de quem presta assistência, além de mitigar impactos financeiros indiretos. Essas melhorias se traduzem em ganhos econômicos e sociais que vão além do âmbito estritamente clínico.
Cuidadores, muitas vezes familiares próximos, enfrentam desafios que vão desde jornadas de trabalho reduzidas ou interrupções em suas carreiras até problemas de saúde mental e física decorrentes do papel de assistência. Quando um medicamento eficaz reduz a gravidade da condição de um paciente ou melhora sua autonomia, isso alivia diretamente a carga sobre os cuidadores, permitindo que retomem suas rotinas e dediquem mais tempo a outras atividades pessoais e profissionais.
Esses benefícios extrapolam o ambiente doméstico e podem impactar positivamente a sociedade como um todo. Um cuidador menos sobrecarregado é mais produtivo no trabalho, gera menos custos com sua própria saúde e contribui mais ativamente para a economia. Além disso, a redução do impacto emocional e psicológico pode melhorar a dinâmica familiar, criando um ambiente mais estável e saudável para todos os envolvidos.
Ao incluir esses benefícios no escopo de análise, o GCEA oferece uma perspectiva mais ampla e precisa sobre o verdadeiro impacto dos tratamentos. Essa abordagem reconhece que os ganhos proporcionados pelas inovações médicas não se limitam ao paciente, mas reverberam em seu círculo social e na economia. Assim, ao captar esses efeitos indiretos, o GCEA apresenta uma avaliação mais justa e representativa, essencial para decisões de saúde pública que busquem maximizar o bem-estar coletivo.
Por fim, o GCEA introduz o conceito inovador do valor do conhecimento, reconhecendo os benefícios proporcionados por diagnósticos mais precisos. Esse conceito vai além dos impactos clínicos diretos, destacando como o simples ato de saber – ou entender melhor uma condição de saúde – pode transformar a vida de pacientes e suas famílias. Mesmo quando não alteram o tratamento diretamente, diagnósticos ajudam pacientes e suas famílias a se prepararem melhor para o futuro, com impacto positivo na qualidade de vida e na tomada de decisões.
Diagnósticos precisos muitas vezes permitem que os pacientes planejem suas vidas com mais segurança e clareza. Mesmo quando não alteram o curso do tratamento ou a evolução da doença, esses diagnósticos ajudam a tomar decisões mais informadas sobre aspectos como finanças, trabalho, estilo de vida e cuidados futuros. Por exemplo, uma pessoa diagnosticada com uma doença crônica degenerativa pode reorganizar suas prioridades, planejar melhor o uso de recursos financeiros e até fortalecer laços familiares, aproveitando os momentos de qualidade com mais intenção.
Além disso, o valor do conhecimento não é apenas prático, mas também emocional. Para muitas famílias, entender a condição de um ente querido reduz a ansiedade gerada pela incerteza, permitindo que adaptem suas rotinas e expectativas de forma mais realista. Para alguns pacientes, saber sua real condição é libertador, proporcionando um senso de controle em um cenário que poderia ser dominado pela dúvida e pela insegurança.
No entanto, o impacto do conhecimento não é universalmente positivo. Em casos de doenças incuráveis ou terminais, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), o diagnóstico pode trazer uma carga emocional significativa. Apesar disso, a capacidade de planejar o futuro com base em informações sólidas continua sendo um benefício essencial, e o GCEA busca equilibrar essas nuances em sua análise.
Ao incorporar o valor do conhecimento em sua metodologia, o GCEA amplia a compreensão dos benefícios intangíveis que diagnósticos precisos oferecem. Esse reconhecimento é fundamental para criar um modelo de avaliação que reflete de maneira mais completa as reais necessidades e preferências dos pacientes e suas famílias, promovendo decisões de saúde mais alinhadas ao bem-estar humano.
O Generalized Cost-Effectiveness Analysis (GCEA) oferece uma abordagem abrangente e inclusiva para avaliar o impacto das inovações em saúde, indo além das métricas tradicionais para capturar os benefícios tangíveis e intangíveis que essas tecnologias proporcionam. Ao adotar esse modelo, tomadores de decisão podem equilibrar a sustentabilidade econômica dos sistemas de saúde com o incentivo necessário para avanços que têm o potencial de transformar vidas, promovendo um futuro mais justo e inovador para todos.
Andrey Vilas Boas de Freitas. Economista, advogado, mestre em Administração, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) desde 1996