Cristina Ribas Vargas

Na data de 22 de janeiro de 2024 o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) entregou à Presidência da República o documento que pauta a nova política industrial brasileira, o NIB – Nova Indústria Brasil. Serão R$ 300 bilhões para o financiamento da industrialização, denominada de neoindustrialização, até 2026. A gestão dos R$ 300 bilhões ficará a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). O montante será disponibilizado via linhas específicas, não reembolsáveis ou reembolsáveis, e recursos por meio de mercado de capitais, dentro da estratégia de promover a indústria no país. Dentre os principais pontos do documento estão: Concessão de linhas de crédito para projetos de inovação sob condições facilitadas (TR + 2% a.a.), e decretos que determinam que compras públicas concedam margens ou preferências para produtos nacionais.

O documento apresenta seis missões cujo prazo para serem atingidas é 2033:

  1. Missão 1: Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética: a meta prevista para ser atingida é “aumentar a participação do setor agroindustrial no PIB agropecuário para 50% e alcançar 70% de mecanização dos estabelecimentos de agricultura familiar, com o suprimento de pelo menos 95% do mercado por máquinas e equipamentos de produção nacional, garantindo a sustentabilidade ambiental”. Um dos principais mecanismos de financiamento a ser utilizado nesta missão é o sistema de crédito não reembolsável.
  2. Missão 2 – Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde: Os principais instrumentos para viabilizar essa missão são: prioridades de financiamento à inovação com linhas de recursos não reembolsáveis, racionalização do custo regulatório referentes a compras governamentais, propriedade intelectual e infraestrutura.
  3. Missão 3 – Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades: a meta é reduzir o tempo de deslocamento de casa para o trabalho em 20%, e aumentar em 25 pontos percentuais o adensamento produtivo na cadeia de transporte público sustentável. Os nichos industriais previstos a serem desenvolvidos são: eletromobilidade, cadeia produtiva de bateria, construção civil digital e de baixo carbono, e indústria metroferroviária.
  4. Missão 4 – Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade: tem como missão aspiracional “Transformar digitalmente 90% das empresas industriais brasileiras, assegurando que a participação da produção nacional triplique nos segmentos de novas tecnologias.” Os principais nichos a serem desenvolvidos são indústria 4.0, produtos digitais e semicondutores.
  5. Missão 5 – Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras: tem como meta “promover a indústria verde, reduzindo em 30% a emissão de CO2 por valor adicionado da Indústria, ampliando em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes e aumentando o uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano”. Os principais segmentos a serem incentivados são bioenergia, equipamentos para a geração de energia renovável, e cosméticos.
  6. Missão 6 – Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais: o objetivo é obter autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa. As áreas a serem desenvolvidas para esse fim são energia nuclear, sistema de comunicação e sensoriamento, sistema de propulsão, veículos autônomos e remotamente controlados.

Em todas as missões objetivadas listadas acima são instrumentos para sua viabilização: financiamentos não reembolsáveis, alterações em instrumentos regulatórios, procedimentos de contratações públicas e direitos de propriedade intelectual.

O documento vem na esteira de um sentimento de salvaguarda da democracia, em que o setor produtivo privado e o governo brasileiro o apresentam como o resultado de um diálogo fortalecido entre as partes. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) elogiou a nova política industrial como sendo o centro estratégico para o desenvolvimento do país.  Na mesma linha, para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o lançamento da nova política industrial é a demonstração de que o governo federal reconhece a importância da indústria de transformação para colocar a economia brasileira entre as maiores do mundo. Para a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs)os objetivos previstos no programa estão corretos e em sintonia com o trabalho realizado pelo Grupo de Política Industrial da entidade”.

Os críticos logo apontaram os déficits públicos, a incapacidade do governo de escolher os segmentos econômicos corretos a serem incentivados, e a corrupção a que estará sujeita o país na execução desses projetos. Termos como “politização da indústria’, favorecimentos aos amigos do rei, investimentos em um “parque industrial ultrapassado” já podem ser ouvidos nos meios de comunicação. Há que se reconhecer dois pontos: as metas são ambiciosas para serem atingidas em dez anos. Investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento podem levar várias décadas até serem alcançados, mesmo em países em estágio de desenvolvimento mais avançados do que o Brasil. Além disso, os instrumentos a serem utilizados para alavancar esse novo processo de industrialização carecem de maior segurança jurídica-institucional. Quando falamos de crédito não reembolsável, é preciso considerar que há instituições públicas que ainda discutem internamente as regras de cobrança de créditos concedidos há mais de três décadas, por exemplo, ou ainda, quanto às contratações públicas, quais dispositivos da Lei de licitações poderão estar em conflito com a proposta de contratações preferenciais. São aspectos que dizem respeito aos procedimentos de execução diária da administração pública, e cuja implementação demora algum tempo até que possam ser operacionalizados.

Contudo, apesar de todas as críticas mencionadas acima, é preciso reconhecer que a neoindustrialização deriva do esgotamento do modelo neoliberal em conduzir a economia brasileira a maiores patamares de participações na indústria global. Enquanto anos 1980 o Brasil representava em torno de 3% de participação na formação do valor adicionado global, na década de 2010 essa contribuição caiu para pouco mais de 1%. Os investimentos feitos pelo Estado são necessários, desde que resultem em entregas de qualidade à sociedade, e estejam de fato vinculados a geração de empregos, inovação e aumento de produtividade. A não-ação não é uma estratégia de desenvolvimento nacional aceitável. Para que isso que ocorra, é necessário cada vez mais uma fiscalização ativa da população. É imperioso que as metas e detalhamento dos projetos de industrialização estejam ao alcance e conhecimento de todos, para que seu cumprimento seja acompanhado durante seu período de execução, e não percamos a metroferrovia da história.

https://jornalggn.com.br/analise/o-brasil-e-o-desafio-da-reindustrializacao-por-andre-cunha-e-alessandro-miebach/

https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/brasil-ganha-nova-politica-industrial-com-metas-e-acoes-para-o-desenvolvimento-ate-2033

https://www.portaldaindustria.com.br/cni/

https://www.fiergs.org.br/

https://www.fiesp.com.br/

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