Entre juros altos e tarifas de importação: a relação Brasil x China permanece na esperança do desenvolvimentismo

Parece que frente a sinais de restrições de importantes parceiros comerciais, a fim de manter o crescimento de suas empresas privadas a China deve buscar investimentos e parcerias com outros países.

‘A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar’.

Sun Tsu

Cristina Ribas Vargas

Há algum tempo acredito com convicção que o estudo da variável tempo é o elemento chave não só para o desenvolvimento da física avançada, mas para a compreensão do funcionamento da economia e do próprio comportamento humano. Em economia consideramos o curto prazo como tempo relativo a algum fator de produção fixo, e o longo prazo em termos de fatores variáveis. Esta dicotomia condiciona nosso cérebro a pensar sob os dois aspectos, e enxergamos a economia como uma sucessão de fotografias, em que dados estatísticos são organizados e avaliamos sua evolução em diferentes pontos do tempo.  Mas quando pensamos que o tempo é um espectro contínuo de prazos, só conseguimos contemplar a mudança que de fato ocorre em um mercado ou sociedade, quando os olhamos como um filme sendo reproduzido. Essa alegoria trata de lembrar da importante diferença entre a análise dinâmica e a análise estática comparativa, tal como Schumpeter propunha, olhar o mundo sob o enfoque institucionalista evolucionista. Temos muito ainda a aprender sobre as aplicações dessa variável nas ciências econômicas. Os tempos de produção das firmas, por exemplo, que operam em uma mesma indústria, não são iguais nem equivalentes entre si. Agregar o produto de diferentes firmas e diferentes indústrias a fim de projetar os impactos de uma política econômica pode ser insuficiente para compreender as mudanças estruturais e as causas dos desequilíbrios no mundo real. Entender se uma trustificação ou mesmo uma fragmentação de um monopólio é resultado do surgimento de inovações implica em analisar como o novo vem surgindo ao lado do velho, sejam sob o formato de novas firmas, produtos ou processos produtivos.

Essa introdução, inspirada na econofísica, ocorre em uma semana em que duas notícias importantes pautaram os noticiários de economia, e pareceu-me impossível apresentá-las de forma isolada e independente. A primeira diz respeito ao comércio internacional e à imposição de tarifas de importação por Donald Trump contra produtos fabricados na China, que devem começar a valer a partir de 04 de fevereiro. A China já manifestou que o aumento unilateral de tarifas viola as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), e tenciona apresentar medida judicial contra os EUA. Para James Robinson, um dos autores de “Why Nations Fail”, o crescimento da China é extrativista, e prioriza a manutenção do poder do Partido Comunista Chinês(PCC) em detrimento de um desenvolvimento econômico inclusivo, e portanto, é não sustentável.

Este ano completam 47 anos desde o início da Reforma Modernizadora implementada por Deng Xiao Ping na China, que contemplava não só investimentos em indústria, ciência e tecnologia, mas introduzia um sistema de reforma agrária que eliminava o sistema de comunas, e conferia aos produtores rurais independência no gerenciamento de propriedades rurais, e ainda, previa investimentos públicos para aqueles que apresentassem aumento de produtividade e inovações em produtos e processos. A estes seria facilitado o contato com investidores estrangeiros instalados nas Zonas Econômicas Especiais da China para a formação de parcerias entre empresas estrangeiras e empresas chinesas. Esse processo fez com que, de 1979 a 2024, a China sustentasse um crescimento médio próximo de 10% ao ano, e sua economia atingiu patamares de desenvolvimento similares a países que implementaram a abertura para o mercado décadas antes. É verdade que se trata de um crescimento puxado pelas exportações, contudo atualmente a mudança estrutural já é visível, e a imposição de tarifas de importação pelo gigante EUA pode gerar resultados contrários ao esperado. A lição trazida pela China nos últimos anos foi a de que Estado e setor privado não são incompatíveis, ao contrário, se complementam.

Parece que frente a sinais de restrições de importantes parceiros comerciais, a fim de manter o crescimento de suas empresas privadas a China deve buscar investimentos e parcerias com outros países. De fato, tem havido desde 2014 uma redução do número de empresas chinesas, cuja participação na economia caiu de 59% para 37%, porém tal fato parece decorrer mais de uma conjuntura comercial externa desfavorável, e da necessidade de novos incentivos à continuidade do processo de modernização, do que de uma pressão interna do PCC pelo fim dos empreendimentos privados. Além disso, é sempre importante ter em mente que as variações numéricas relativas à China são em grandes magnitudes, haja vista que se trata de uma população de 1,408 bilhões de pessoas.

É nesse ponto que introduzo a segunda notícia importante da semana: o manifesto desejo de redução da taxa básica de juros por parte do governo brasileiro, e a elevação da Selic de 12,25% para 13,25% ao ano.  A inflação segue sob controle, mas é a âncora dos juros continua a estabilizar o velho navio.

Definitivamente o tempo não é absoluto para todos os países. O Brasil priorizou o controle inflacionário desde 1994, fundamental para que o mercado e o próprio governo fossem capazes de organizar-se e de projetar orçamentos, receitas e despesas, com o mínimo de segurança. Contudo, o novo Shumpeteriano só pode vir se o crescimento econômico estiver presente. Não há receita única e certa para promoção do espetáculo do crescimento, mas há oportunidades de alianças comerciais com inovações relevantes. Um ambiente comercial pautado na cooperação foi observado quando as transações comerciais entre Brasil e China utilizaram o mecanismo de compensação direta de yuans para real, feito pelo Banco Industrial e Comercial da China. Um comércio internacional realmente competitivo não sobrevive com único vencedor hegemônico. O jogo não pode ter solução única para funcionar. O jogo de xadrez que conhecemos no ocidente originou-se na Pérsia e foi aprimorado na Europa. É um jogo onde um perde e o outro ganha. Para um jogador sair vencedor, o outro precisa perder. Na China o jogo de estratégia muito apreciado é o Wei Qi, no qual o jogador não busca uma vitória total, mas vantagens relativas. Enquanto no xadrez o objetivo é eliminar as peças do oponente, no Wei Qi o objetivo é o cerco estratégico; enquanto o xadrez ensina foco, o Wei Qi ensina flexibilidade estratégica. Na figura abaixo vemos o resultado final de uma partida de Wei Qi. As peças pretas apresentam uma pequena vantagem relativa, mas em diversos setores do tabuleiro as peças brancas vencem.

Figura 1 – Resultado final de uma partida de Wei Qi.

Fonte: imagem extraída do livro ‘Sobre a China’.

Finalizo buscando expressar o quanto acredito que a parceria entre esses dois gigantes, Brasil e China, poderia alavancar não só suas próprias economias, mas elevar a economia mundial a um novo patamar de relações internacionais. Um sistema híbrido entre concorrência privada e coordenação estatal é possível, e pode ser o principal caminho para a retomada dos países em desenvolvimento frente a tantas restrições externas.

Referências

Bresser-Pereira, Luiz Carlos. Como pensam os Chineses, disponível em https://www.bresserpereira.org.br/articles/31.08.2024-como-pensam-os-chineses.pdf

Costa, Fernando Nogueira da. Econofísica II: Economia como Sistema Complexo e Dinâmico e a Física de Einstein. Disponível em https://www3.eco.unicamp.br/noticias/econofisica-ii-economia-como-sistema-complexo-e-dinamico-e-a-fisica-de-einstein

Kissinger, Henry. Sobre a China, Ed.Objetiva: 2011.

Schumpeter, Joseph. Teoria do Desenvolvimento Econômico. Coleção: Os economistas, Ed. Abril Cultural.


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.

endereço linkedin: http://linkedin.com/in/cristina-vargas-5921195a


Leia o artigo de Cristina Ribas Vargas sobre a relação entre o comércio internacional da China e a política antitruste:

O Comércio Internacional da China e a Política Antitruste

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