Fernando B. Meneguin[1]

De maneira geral, os agentes econômicos desenvolvem suas atividades para evitar custos de transação, com vistas à maximização do lucro. Nessa linha, pode ser interessante, como estratégia empresarial, acordo que estabeleça exclusividade entre produtores e distribuidores. No entanto, no caso de a exclusividade gerar obstáculos para a concorrência, essa prática pode ser considerada ilícita.

Ficou bastante conhecido, por divulgação na mídia[1], o caso da empresa iFood, no qual o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) proibiu o iFood, em sede de medida preventiva, de firmar novos contratos com restaurantes contendo acordo de exclusividade. A decisão se deu em face de representação das empresas Rappi e Uber Eats, que argumentaram que a estratégia de negócios do iFood criava barreiras à entrada e à expansão de concorrentes no mercado.

A adoção de cláusulas de exclusividade é uma conduta unilateral, que, segundo a doutrina e a jurisprudência, deve ser avaliada pela regra da razão. Isso significa que seus efeitos negativos, ainda que potenciais, devem ser comprovados para fins de condenação administrativa.

Ainda, condutas unilaterais são estratégias empresariais e podem, portanto, ter efeitos positivos, ou seja, propiciar ganhos de eficiência. É necessário que os efeitos positivos e negativos sejam quantificados e sopesados. Uma conduta poderia ser considerada anticoncorrencial e, assim, condenada administrativamente apenas quando os efeitos negativos superarem os positivos.

Portanto, considerar cláusulas de exclusividade ilícitas apenas com base na parcela de mercado por elas abrangidas, ou seja, com base no grau de fechamento de mercado, pode significar considerá-las ilegais per se, o que contraria a doutrina e a jurisprudência do Cade.

No que concerne à doutrina e à jurisprudência norte-americanas, para despertar preocupação concorrencial, as cláusulas de exclusividade devem representar percentual acima de 30% a 40% do mercado, raramente havendo condenação quando a parcela do mercado abrangida pela exclusividade fica abaixo de 40%[2]. Em consequência, não haveria que se falar em danos à concorrência quando o limite não fosse atingido, ao passo que percentuais maiores devem ser analisados caso a caso, em vista dos potenciais efeitos pró-competitivos dos contratos de exclusividade, para que seja verificado o potencial de exclusão de rivais.

Pela regra da razão, é fundamental aferir o efeito final da conduta sobre o mercado. Para tanto, é necessária uma análise de custo-benefício. No caso de contratos de exclusividade, os benefícios, de maneira geral, aparecem por meio da expansão do mercado e pela apropriação de valor pelos agentes envolvidos e pelos consumidores. Relativamente ao custo, este seria consequência do fechamento do mercado e da diminuição da concorrência.

Hoertel (2008)[3] apresenta uma série de efeitos pró competitivos em decorrência dos contratos de exclusividade, que promovem o aumento de eficiência na alocação de recursos e na redução dos custos de transação:

  • Proteção contra o free-riding (efeito carona) intermarcas.

Os acordos de exclusividade podem promover a proteção aos direitos de propriedade do fabricante evitando condutas oportunistas (proteção contra o free-riding, ou efeito carona, intermarcas) em defesa de investimentos não recuperáveis, como em marcas e tecnologia, e na proteção de ativos específicos. Eliminar o free-riding, permitindo que o agente econômico que realiza o gasto de provisão do ativo se aproprie de seus benefícios, pode provocar o aumento da oferta e do consumo de bens, implicando um incremento do bem-estar agregado.

  • Redução dos custos de monitoramento.

Fabricantes, preocupados com potenciais comportamentos oportunistas de revendedores que negociam produtos concorrentes, devem incorrer em significativos custos no monitoramento desses distribuidores. Contratos de exclusividade geram menos dispêndios com monitoramento e isso se reflete em melhor oferta e melhores preços aos consumidores.

  • Acordos de exclusividade como alternativa à integração vertical.

Na impossibilidade de contratos de exclusividade, uma alternativa seria a integração vertical por meio de fusões entre fabricantes e distribuidores; no entanto, essa alternativa tende a ser menos eficiente e mais custosa quando comparada à integração parcial alcançada pelos contratos de distribuição exclusiva. A integração vertical tenderia a acarretar externalidades negativas aos consumidores, externalidades essas que são mitigadas pelos contratos de exclusividade.

  • Incentivos para que fabricantes auxiliem os distribuidores.

Por meio dos contratos de exclusividade, os fabricantes fornecem aos distribuidores capacitação, serviços e informações instrutivas para facilitar as vendas e atender melhor os consumidores.

  • Maior eficiência no controle de qualidade.

Por meio dos contratos de exclusividade, há comunhão de interesses no sentido de que distribuidores e fabricante assumem responsabilidade direta pela segurança e qualidade dos produtos que colocam no mercado.

  • Redução dos custos da variedade.

A adoção de acordos de exclusividade traz para as revendas a redução de seus custos relacionados à administração da variedade de produtos recebidos de diferentes fabricantes. Evitam-se os custos de negociação que ocorreriam com fabricantes adicionais e, também, o estoque de produtos fora de linha.

Tendo em vista esses potenciais efeitos positivos, para afirmar que a exclusividade é ilícita, ela deve criar dificuldades para a atuação de concorrentes ou desestimular entradas. Nesse sentido, avaliar a parcela do mercado abrangida pela exclusividade, ou seja, o grau de fechamento do mercado decorrente da exclusividade, é apenas uma etapa para se analisar a possível ilicitude das cláusulas de exclusividade.

Resta uma segunda etapa essencial: provar que a parcela de mercado não abrangida pela exclusividade é insuficiente para que concorrentes disputem o mercado e ou para que se viabilizem novas entradas de competidores. Essa segunda etapa demanda o cálculo da escala mínima viável (“EMV”) e sua comparação com a parcela do mercado não abrangida pela concorrência, pois se, apesar da exclusividade, houver mercado para o desenvolvimento de novos concorrentes e/ou entradas, não deve haver a caracterização do fechamento do mercado.

Caso a parcela do mercado não afetada pela exclusividade seja suficiente para viabilizar a operação de concorrentes e/ou entradas, não há que se falar em ilícito concorrencial.

Segundo o Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal do Cade, a EMV é definida da seguinte maneira:

Escala Mínima Viável: é o menor nível de vendas anuais que o entrante potencial deve obter para que seu capital seja adequadamente remunerado. Para tanto, analisa-se qual o investimento necessário e o lucro [retorno do investimento] que um entrante teria em um determinado período no mercado em que pretende entrar (sendo necessário especificar o custo do entrante [fixo, variável/marginal], o mark-up do entrante e o volume de vendas esperado do entrante). As informações podem ser apresentadas ou organizadas na forma de fluxos de caixa de projeto de investimento. A análise da entrada pode utilizar estimativas do valor presente líquido, taxa interna de retorno, payback, payback descontado e outros indicadores que mostram a viabilidade econômica e financeira da entrada.

Assim, fazendo um exercício empírico, é possível saber qual é a escala mínima viável da operação de um entrante disruptivo levando em conta os custos de produção em larga escala. Por meio desse cálculo, pode-se inferir se há ou não espaço suficiente no mercado para o estabelecimento de potenciais competidores. A partir daí sim pode-se concluir ou não pela ilicitude das cláusulas de exclusividade.

Ressalte-se que há casos recentes em que o Cade não exercitou essa segunda etapa – o cálculo da escala mínima viável. Quando isso acontece, a análise fica restrita ao grau de fechamento de mercado, o que equivale a uma análise per se. Tal lacuna na análise pode acarretar inferências errôneas sobre a concorrência em determinado setor.


[1] https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/03/11/cade-proibe-ifood-de-realizar-novos-contratos-de-exclusividade-com-restaurantes.ghtml

[2] “(…) since Jafferson Parish, exclusive dealing is rarely condemned on market share foreclosures lower than 30% or 40%” (HOVENKAMP, Herbert 1999, Federal Antitrust Policy: The Law of Competition and Its Practice. Second Edition. West Group. p. 437).

[3] Hoertel, M. C. Análise econômica da adoção de acordos de distribuição exclusiva entre fabricantes e revendedores. III Prêmio SEAE de monografias em defesa da concorrência e regulação econômica. 2008.


[1] Mestre e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade de Califórnia – Berkeley. Líder do Grupo de Estudos em Direito e Economia – GEDE/UnB-IDP. Consultor Sênior da Charles River Associates e Professor do Mestrado do IDP e da AMBRA University.

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