Gabriela Pimenta R. Lima

Colunista

Gabriela Pimenta R. Lima

Advogada desde 2012, graduada pelo UniCEUB. Especialista em Direito Tributário pelo IBET (2014) e Pós graduada em Direito Tributário pelo IDP (2014), matéria na qual se especializou e atuou por quase 10 anos. Desde sua formação também atua no STF e no STJ. Em 2021, concluiu o Mestrado em Direito Constitucional pelo IDP, e na mesma época passou a se dedicar exclusivamente a processos em trâmite perante as Cortes Superiores. Está concluindo LLM de recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP. É membro da Associação Brasiliense de Processo Civil (ABPC) e da Comissão de Tribunais Superiores da OAB/DF.

A gradativa consolidação de uma Corte Constitucional Digital via plenário virtual – Parte II

Gabriela Pimenta R. Lima

No artigo anterior tratei brevemente sobre a evolução do Plenário Virtual (PV) do STF, que desde a sua criação, em 2007, passou por dois momentos marcantes de crescimento, o primeiro com a Emenda Regimental 51/2016, que incluiu os agravos internos e os embargos de declaração nas competências do PV, e o segundo com a Emenda Regimental 53/2020, que na época da pandemia causada pelo Covid-19, ampliou ainda mais a competência do PV, permitindo que todos os processos de competência da Corte fossem submetidos a julgamento em listas, no ambiente presencial ou no eletrônico, equiparando o plenário virtual ao físico.

Também falei sobre a importância que o PV adquiriu no modelo decisório do STF nos últimos 16 anos, mostrando-se como mecanismo importante e necessário para a redução do acervo de processos, que hoje ultrapassa 24 mil processos, contra 129.623, em 2007, segundo dados do programa “Corte Aberta” [1] do STF.

Em que pese os avançado do PV, abordei algumas críticas feitas a nova sistemática, principalmente, no tocante às violações ao devido processo legal, ao contraditório e ao direito de defesa, bem como do art. 7º, X, XI e XII, do Estatuto da OAB, que prevê garantias quanto ao uso da palavra, indispensável ao exercício do direito de defesa.

No artigo de hoje, vamos tratar dos julgamentos virtuais no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, previsto pela ER 27/2016 que incluiu dispositivos no Regimento Interno para disciplinar o julgamento virtual de embargos de declaração, agravos internos e agravos regimentais [2].

À época, o STJ não possuía amparo tecnológico para julgar em ambiente virtual os processos com sustentação oral, razão pela qual o então presidente, ministro Humberto Martins, resolveu que, transitoriamente, os pedidos de sustentação em agravos implicariam a retirada da pauta virtual dos respectivos processos.

Posteriormente, em 2020, com a decretação da pandemia, o STJ editou a Resolução STJ/GP n. 9/2020 para disciplinar a realização das sessões presenciais da Corte Especial, das Seções e das Turmas, ordinárias e extraordinárias por videoconferência. E com a ER 41/2022, o STJ, dessa vez com amparo tecnológico, permitiu que as sustentações orais fossem encaminhadas por meio eletrônico, após a publicação da pauta e em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual [3].

Decretado o fim da pandemia, em maio de 2023, o STJ, assim como todos os tribunais do país, continuou realizando alguns julgamentos de forma virtual, principalmente, em razão da celeridade que essa modalidade de julgamento possibilita.

Entre 1º de janeiro e 28 de junho de 2023, foram julgados 221.185 processos (306.213 se considerar o julgamento dos agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração) e no âmbito da Presidência do STJ foram proferidas 109.228 decisões e despachos entre os meses de janeiro e junho de 2023 [4].

Em 30 de junho de 2023, durante a sessão da Corte Especial que marcou o encerramento do semestre forense, a atual Presidente da Corte Superior, ministra Maria Thereza de Assis Moura, mostra-se preocupada com a crescente demanda processual. Ela comentou que o STJ, nos últimos anos, vem investindo na ampliação de sua capacidade produtiva, “por meio de iniciativas que visaram adequar recursos humanos e financeiros, modernizar estruturas e incrementar sobremaneira o uso da tecnologia para racionalizar e agilizar diversas etapas do processo de julgamento” [5].

A tecnologia aplicada aos julgamentos virtuais se mostra como uma forma eficaz de ajudar o Tribunal a diminuir seu acervo, no entanto, alguns pontos precisam ser revistos.

Os relatórios e votos não são disponibilizados no início do julgamento às partes, nem a seus advogados, o que obviamente afeta o exercício do direito da ampla defesa e do contraditório, ante a impossibilidade de esclarecimentos de fatos ou do levantamento de questões de ordem, que são prerrogativas legais de todo e qualquer julgamento presencial/videoconferência ou virtual. Diferentemente do que ocorre no STF, que disponibiliza o relatório e o voto assim que o julgamento virtual é iniciado, na aba “sessão virtual” do andamento do processo. Extraoficialmente, ministros do STJ comentaram que futuramente o sistema vai permitir o acompanhamento em tempo real de todos os julgamentos.

É imprescindível que a sistemática seja aperfeiçoada para que se cumpra a exigência de que as partes tenham conhecimento de forma clara e expressa do posicionamento de cada membro do colegiado, sob pena de violação ao art. 93, IX, da CF, que estabelece a obrigatoriedade da publicidade e fundamentação de todas as decisões, sob pena de nulidade, ressaltando-se que a limitação da presença dos advogados nas sessões de julgamento deve ser feita mediante lei, e não por meio de regimento interno.

Essa situação viola o princípio da colegialidade e o princípio da transparência, pois nos julgamentos virtuais do STJ, não é possível saber se houve debate entre os Ministros e nem como cada Ministro votou. Concluído o julgamento, o resultado é lançado no andamento processual e as partes e advogados apenas têm acesso à decisão quando da publicação do acórdão. Nesse ponto, o STF adota uma sistemática mais transparente, pois além de disponibilizar o relatório e o voto do relator quando iniciado o julgamento virtual, os votos dos demais Ministros também são disponibilizados na aba “sessão virtual” do andamento do processo.

Também há o problema das sustentações orais gravadas. Apesar de a Corte possibilitar o envio da gravação para ser juntada ao sistema, não é possível apresentar eventuais esclarecimentos fático-jurídicos, que podem ser essenciais ao deslinde do caso, e as partes não sabem se o vídeo de fato foi assistido pelos julgadores. No STF ocorre o mesmo problema, não é possível confirmar se os Ministros assistiram a sustentação, mas, ao menos os vídeos das sustentações também são disponibilizados na aba “sessão virtual” do andamento do processo. Então, a simples previsão do art. 184-B, §1º, do RISTJ, que permite o envio da gravação da sustentação, não garante o mais importante, que os julgadores assistam e que haja um diálogo entre julgadores e advogados.

O uso da palavra constitui a principal prerrogativa da advocacia desde a sua origem, tornando-se o advogado indispensável à administração da justiça, conforme previsão do art. 133 da CF. As garantias de (i) “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal, judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam na decisão”(ii) “reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento”; e (iii) “falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo”, expressamente estabelecidas pelo Estatuto da OAB (artigo 7º, X, XI e XII), significam não apenas prerrogativas profissionais, mas são indispensáveis ao exercício do direito de defesa, como bem pontua Aury Lopes Jr. [6].

Vale ressaltar que o próprio RISTJ, em seu art. 184-D, II, garantia de oposição ao julgamento virtual, prevendo que “as partes, por meio de advogado devidamente constituído, bem como o Ministério Público e os defensores públicos poderão apresentar memoriais e, de forma fundamentada, manifestar oposição ao julgamento virtual ou solicitar sustentação oral, observado o disposto no art. 159″, no entanto, tal dispositivo foi revogado pela ER 41/2022, que regulamentou as sustentações orais em agravo interno/regimental.

A sistemática do julgamento virtual está em sintonia com os tempos atuais, e deve sim ser utilizada, o problema, porém, é a forma como o julgamento virtual vem sendo realizado pelo STJ. A advocacia espera que em breve o Tribunal da Cidadania possa aprimorar o formato de seus julgamentos virtuais para que o STJ também se desenvolva como uma “Corte Constitucional Digital”.


Gabriela Pimenta R. Lima. Advogada desde 2012, graduada pelo UniCEUB. Especialista em Direito Tributário pelo IBET (2014) e Pós graduada em Direito Tributário pelo IDP (2014), matéria na qual se especializou e atuou por quase 10 anos. Desde sua formação também atua no STF e no STJ. Em 2021, concluiu o Mestrado em Direito Constitucional pelo IDP, e na mesma época passou a se dedicar exclusivamente a processos em trâmite perante as Cortes Superiores. Está concluindo LLM de recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP. É membro da Associação Brasiliense de Processo Civil (ABPC) e da Comissão de Tribunais Superiores da OAB/DF.

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