Arthur Villamil Martins

Colunista

Arthur Villamil Martins

Doutor em Direito Público pela UFMG, Mestre em Direito Econômico pela UFMG, bacharel em Direito pela UFMG, Presidente da Comissão de Direito da Concorrência da OAB/MG, advogado Coordenador do Departamento Jurídico Cível-Comercial do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais – MINASPETRO, consultor especializado em Direito da Concorrência e Direito Econômico da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes – FECOMBUSTÍVEIS, palestrante em cursos de aperfeiçoamento em gestão de projetos e claims em obras e serviços de Engenharia junto ao SINDUSCON-MG, advogado atuante em arbitragens no setor de Engenharia e obras de infraestrutra, autor de artigos, monografias e capítulos de livros jurídicos especializados, parecerista de revistas e periódicos jurídicos, foi professor de Direito da Concorrência e de Direito do Consumidor na UFMG e nas Faculdades Milton Campos

Direito de apresentar alegações finais no PA

Arthur Villamil Martins

Oprocesso administrativo para imposição de sanções por infração da ordem econômica (PA) previsto nos art. 69 e seguintes da Lei 12.529/2011 é tipicamente um processo de natureza punitiva e, portanto, deve se orientar pelos princípios inerentes ao devido processo, assegurando aos representados a garantia de ampla defesa e o exercício pleno do contraditório.

As alegações finais estão previstas no art. 76 da Lei de Defesa da Concorrência (LDC). Esse dispositivo legal foi redigido de modo pouco claro – talvez por deficiente técnica legislativa consistente em aglutinar em uma mesma frase questões distintas – deixando margem para questionamentos acerca da efetiva existência do direito de apresentação de alegações finais pelos representados.

O exame da sequência dos dispositivos legais que disciplinam o processo administrativo ajuda a lançar luz sobre a questão. O art. 74 da LDC trata da remessa do PA ao Tribunal, depois que a Superintendência-Geral tiver concluído a instrução processual e opinado, em relatório circunstanciado, pela condenação dos representados ou pelo arquivamento do processo. O art. 75 dispõe que o Presidente do CADE realizará a distribuição do processo ao Relator por sorteio. O art. 76, caput, trata da possibilidade de o Conselheiro Relator determinar (ou não) a realização de diligências complementares antes do julgamento. Já o parágrafo único do art. 76 dispõe que o Conselheiro Relator poderá ordenar novas diligências, caso entenda necessário, e que depois de realizadas as novas diligências dará vista aos representados para apresentação de alegações finais. Eis a disposição literal da lei:

Art. 76. O Conselheiro-Relator poderá determinar diligências, em despacho fundamentado, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral as realize, no prazo assinado.

Parágrafo único. Após a conclusão das diligências determinadas na forma deste artigo, o Conselheiro-Relator notificará o representado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresentar alegações finais.

Da literalidade do parágrafo único exsurge a seguinte dúvida: o Relator somente deve oportunizar a apresentação de alegações finais quando tiver realizado novas diligências ou deve sempre, independente da realização de novas diligências, franquear a oportunidade de apresentar alegações finais aos representados? Muito embora a lógica processual pareça apontar para a necessidade de sempre oportunizar aos representados a apresentação de alegações finais, essa questão é controversa.

O tema já foi objeto de apreciação pelo Poder Judiciário. Na ação anulatória de autos nº 0013987-53.2015.4.01.3803, o Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Uberlândia/MG acolheu a arguição de cerceamento de defesa e declarou a nulidade do julgamento do PA Nº 08700.000649/201378, por não ter sido oportunizado aos representados a apresentação de alegações finais antes do julgamento do Tribunal. Já na ação anulatória nº 0013976-24.2015.4.01.3803, o Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Uberlândia/MG rejeitou a alegação de nulidade do julgamento, acolhendo as alegações do CADE no sentido de que somente seria necessário abrir prazo para alegações finais quando forem realizadas novas diligências pelo Relator. Ambas as sentenças foram apeladas e se encontram pendentes de julgamento no Tribunal Regional da Sexta Região.

Como se vê, a questão é controvertida no âmbito do CADE e do Judiciário. Porém, em nossa visão, com a devida vênia e respeito aos que se posicionam em sentido contrário, a questão não é de difícil solução.

O PA é um processo de natureza exclusivamente punitiva e, ademais, também se reveste de certas nuances inquisitivas. Logo, indispensável que se lhe apliquem os princípios e as garantias processuais inerentes ao direito processual sancionador, dentre os quais, o direito do representado de falar por último (falar depois da acusão), antes do julgamento pelo Tribunal.

Da leitura atenta do Capítulo IV da LDC verifica-se que PA tem seis etapas bem definidas até ser remetido ao Tribunal para julgamento: i) O representado é intimado para apresentar defesa no prazo de 30 dias (art. 70); ii) A Superintendência-Geral analisa a defesa e determina a realização de provas (pela letra fria do art. 72 a SG teria uma espécie de prerrogativa de “determinar as provas que entende pertinentes” – nuance tipicamente inquisitorial); iii) As provas são colhidas; iv) O representado é intimado para apresentar, em cinco dias, o que o art. 73 chamou de “novas alegações”, cuja função nos parece ser principalmente reavivar os pontos da defesa em face das provas produzidas no PA; v) A SG encerra a instrução e em seguida apresenta suas conclusões, opinando pela condenação do representado ou pelo arquivamento do processo (art. 74); vi) O PA é remetido ao Tribunal e o Relator poderá determinar novas diligências ou requerer a inclusão do feito na pauta de julgamento.

Do exame do fluxo processual do PA previsto na LDC verifica-se que a última oportunidade de fala do representado teria sido nas “novas alegações” previstas no art. 73 da LDC. Depois disso, a SG, que exerce nitidamente função acusatória, irá falar nos autos, opinando pela condenação ou pelo arquivamento do caso (art. 74). Em seguida, o feito é remetido ao Tribunal e, caso o Relator não determine a realização de novas diligências, se ele não oportunizar ao representado a apresentação de alegações finais isso significa que o acusado não terá qualquer direito de defesa escrita perante o Tribunal. Pior ainda, a acusação (SG) terá sido a última a falar nos autos, pervertendo, por óbvio, a garantia processual de que a defesa deve falar por último.

Por fim, para que não restem dúvidas acerca da necessidade de sempre se oportunizar aos representados o direito de apresentar alegações finais escritas perante o Tribunal, como fala final da defesa, note-se que o art. 77 da LDC determina que “No prazo de 15 (quinze) dias úteis contado da data de recebimento das alegações finais, o Conselheiro-Relator solicitará a inclusão do processo em pauta para julgamento.” Ou seja, o feito somente estará maduro para julgamento depois que a defesa tiver tido a oportunidade de apresentar as alegações finais, independentemente da realização (ou não) de novas diligências pelo Relator.

É necessário que o CADE esteja atento para a boa aplicação dos princípios que norteiam o devido processo administrativo disciplinar, não apenas para evitar nulidades processuais desnecessárias, mas, acima de tudo, para assegurar um julgamento justo e equilibrado, o que somente se pode obter quando se assegura às partes (acusação e defesa) simétrica paridade de armas. Uma das formas mais comezinhas de paridade de armas no devido processo é a definição do momento de manifestação das partes: a acusação fala primeiro e a última palavra antes do julgamento é sempre do acusado, jamais do acusador.