Maio 17, 2024 01:42

Colunista

Karla Borges Furlaneto

Novas regras de comércio exterior promovem o alinhamento da legislação brasileira a acordos multilaterais de comércio e resultam em benefícios econômicos

Fernanda Manzano Sayeg & Karla Borges Furlaneto

No mês de junho de 2022, foram publicadas importantes alterações legislativas relacionadas a comércio exterior. Em 8 de junho de 2022, foi publicado o Decreto nº 11.090, que alterou o artigo 77, do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 ao determinar que devem ser excluídos do valor aduaneiro os gastos incorridos no território nacional e destacados no custo do transporte, comumente denominados de capatazia. Já em 24 de junho, foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2090, de 22 de junho de 2022, que atualizou as regras de controle e valoração aduaneira de mercadorias e previu expressamente a exclusão da capatazia do valor aduaneiro.

As duas publicações foram comemoradas por entidades de classe, importadores e estudiosos do comércio internacional e do direito aduaneiro. Afinal, a legalidade da inclusão das despesas relativas à carga, à descarga e ao manuseio das mercadorias importadas, também conhecidas como “despesas de capatazia”, na base de cálculo do imposto de importação estava sendo questionada judicialmente há anos.

Com a publicação do Decreto nº 11.090/2022, de iniciativa do Ministério da Economia e motivada pela necessidade de redução do preço de bens essenciais importados em um cenário de alta de preços e inflação, prevaleceu a tese defendida pelos importadores e estudiosos do direito do comércio internacional, que havia sido rejeitada em 2020 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entendimento equivocado que passamos a esclarecer.

As normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), foro de caráter multilateral do qual o Brasil é parte, estabelecem parâmetros e critérios para o estabelecimento dos tributos que podem ser cobrados na importação de mercadorias.

Nesta linha, tanto o Poder Executivo, como o Legislativo brasileiro devem se ater ao que diz as normas da OMC para determinar quais itens integram a base de cálculo do imposto de importação. Em específico, ao Acordo sobre Valoração Aduaneira (AVA) do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) determina quais valores compõem o valor aduaneiro de um produto, ou seja, o que pode ser acrescentado ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas.

O AVA visa a criar um sistema equitativo, uniforme e neutro para a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios. Recordando que, o imposto de importação tem como base de cálculo o valor aduaneiro da mercadoria importada. Desta forma, o AVA estabelece que, sempre que possível, a base de valoração de mercadorias para fins aduaneiros deve ser o valor de transação das mercadorias a serem valoradas.

O artigo 8o do AVA autoriza a inclusão dos gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação. Contudo, não há previsão de inclusão das despesas incorridas após a chegada do navio no porto, a exemplo do descarregamento e manuseio da mercadoria, por se tratarem de despesas incorridas após a chegada da mercadoria até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro.

No Brasil, o AVA foi internalizado à legislação pátria pelo Decreto Executivo nº 1.355/94 e, até 1º de julho de 2022, era regulamentado pela Instrução Normativa (IN) SRF nº 327/03. Contrariamente ao AVA, o artigo 4º, § 3º, da IN SRF nº 327/03 determinava que os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada.

Em outras palavras, a IN nº 327/03 desconsiderava que somente integram o valor aduaneiro os gastos de carga e descarga associados ao transporte da mercadoria até o porto ou o aeroporto e determinava que fossem incluídos os gastos de descarga de mercadoria após a entrada no porto/aeroporto, contrariando o texto do artigo 8o do AVA.

A esse respeito, é importante ressaltar que o AVA e demais acordos da OMC são aplicáveis no Brasil e devem prevalecer sobre a legislação tributária interna, nos termos do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, assim como dos artigos 96 e 98 do Código Tributário Nacional (CTN).

Logo, teve início uma relevante discussão sobre a legalidade da inclusão dos custos de descarga da mercadoria na composição do valor aduaneiro no Poder Judiciário, que chegou ao STJ em 2014. Muitos anos depois, em abril de 2020, a Primeira Seção desse tribunal superior definiu, sob o rito dos recursos repetitivos, que os serviços de capatazia deveriam ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Importação.

Segundo o ministro Francisco Falcão, cujo voto prevaleceu no julgamento, o GATT estabelece normas para a determinação de valor para fins alfandegários, prevendo a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos à carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.

Assim, segundo a interpretação do STJ, tais serviços integrariam a atividade de capatazia, de acordo com a Lei nº 12.815/2013, editando a instrução normativa RFB explicitando que eles deveriam fazer parte do valor aduaneiro.

Desse modo, desde 2020, os pedidos de exclusão dos serviços da base de cálculo do imposto de importação estavam sendo julgados improcedentes, não obstante a flagrante violação às normas internacionais e os prejuízos econômicos que essa medida trouxe ao país.

Em estudo de 2020, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) projetou que o fim da inclusão da capatazia no valor aduaneiro contribuiria para um acréscimo de R$ 3,6 bilhões ao PIB no acumulado dos próximos 20 anos. No setor de alimentação, esse valor seria de R$ 2,4 bilhões e, no de siderurgia e construção, de R$ 1,8 bilhão. Outros setores que elevariam sua contribuição para o crescimento do PIB seriam os de têxtil e calçados, em R$ 1,4 bilhão; eletroeletrônicos, em R$ 861 milhões; químicos com R$ 832 milhões; perfumaria, cosméticos e farmacêuticos, R$ 824 milhões; petróleo, etanol e outros R$ 523 milhões; e madeira, papel e celulose, com R$ 173 milhões.

O referido estudo elencou, ainda, os 20 produtos que teriam maiores ganhos na produção até 2040 caso fosse retirado o custo da capatazia portuária. Em valores, os produtos com maiores altas na produção seriam automóveis e utilitários, com R$ 4 bilhões, e semiacabados e outros aços, com R$ 2,3 bilhões. Máquinas e equipamentos e vestuário ficariam em terceiro e quarto lugar, com R$ 2,2 bilhões e R$ 1,9 bilhão, respectivamente.

Segundo as projeções feitas, a indústria de transformação exportaria R$ 11 bilhões a mais, no acumulado dos próximos 20 anos, com a retirada da capatazia do custo aduaneiro. Os números mostram que o setor de construção e siderurgia teria o maior ganho em exportações nesse período, de R$ 3,5 bilhões ou 4,8%. Para o setor químico, o ganho seria de R$ 2,3 bilhões ou 9,8%. O setor de bens de capital seria o terceiro com o maior ganho em exportações, de R$ 1,7 bilhão ou 1,9%, seguido do de alimentação, de R$ 1,6 bilhão ou 1,3%.

Fato é, que as alterações legislativas em questão possibilitarão uma importante redução no valor pago por importadores a título de imposto de importação, com impactos positivos na competitividade e na integração do Brasil aos fluxos globais de comércio. Afinal, a inclusão dessa taxa contribuía para inflar o custo de importação, na contramão da agenda de competitividade e da melhoria do ambiente de negócios no Brasil, onerando a produção nacional, inclusive para a exportação.

Da mesma forma, também representa o alinhamento da legislação aduaneira brasileira aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil junto aos parceiros do Mercosul e à Organização Mundial do Comércio. Exatamente em linha com o que a sociedade precisa, de uma mais competitivo e mais integrado ao comércio internacional.

 

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